domingo, 3 de outubro de 2010

POEMA

O que não tenho e desejo
É que melhor me enriquece.
Tive uns dinheiros — perdi-os...
Tive amores — esqueci-os.
Mas no maior desespero
Rezei: ganhei essa prece.

Vi terras da minha terra.
Por outras terras andei.
Mas o que ficou marcado
No meu olhar fatigado,
Foram terras que inventei.

Gosto muito de crianças:
Não tive um filho de meu.
Um filho!... Não foi de jeito...
Mas trago dentro do peito
Meu filho que não nasceu.

Criou-me, desde eu menino
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!

Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo-suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta em que não lutei!


Comentário: Para quem não sabe, Manuel Bandeira descobriu, quando ainda muito jovem, que possuía tuberculose. Naquela época, a doença era considerada fatal, portanto ele não esperava viver por muito tempo (e se enganou, só morreu aos 82 anos). Foi por este motivo que largou os estudos, pretendia se formar como arquiteto, para cuidar da doença, o que acabou também o levando a se dedicar à poesia. A obra acima reflete justamente isso, não só as oportunidades que perdeu por causa da doença, mas também o medo e a impossibilidade de seguir o caminho que o pai queria para se embrenhar no meio poético. E assim o autor se auto-proclamou um "poeta menor", o que todos sabemos não ser verdade. Inclusive, uma das homenagens que foi feita ao autor pelo poeta José Paulo Paes (valeu Adriano!) - dizia assim:

Poeta menormenormenormenormenor
Menormenormenormenormenorenorme
Acho que é uma das homenagens mais bonitas e inteligentes que eu já vi. Mas, enfim, falando de Bandeira, o que destaco é a sua enorme capacidade de criar poemas musicais e de se conectar com o público. Talvez por causa de toda a sua história de vida, ele tenha desenvolvido uma sinceridade que nos atrai. Afinal, nos dias de hoje é extremamente difícil de se encontrar alguém assim, sincero.

- O poema postado foi retirado do livro "Antologia Poética

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